Passei as últimas semanas falando sobre a aerodinâmica e física do vôo, porém, deixei as coisas simples para este último post, até porque, ele vai ser um tanto curto se comparado aos outros...
Vamos lá... Desta vez, vou contar o que é o enflechamento e pra que serve, vou falar sobre diedro e anedro, assim como vou falar sobre o washout e formas alternativas de estabilização (o pessoal das asinhas vai amar essa...)
Enflechamento - Enflechamento é o ângulo formado entre o eixo lateral e o bordo de ataque das asas, tem como propriedade principal a estabilização do modelo, assim como a de prover uma maior taxa de penetração do modelo, sem perder capacidade total de sustentação.
O enflechamento pode ser positivo, negativo ou variável.
Exemplo do fluxo de ar entre os enflechamentos positivos e negativos
O enflechamento positivo aumenta a estabilidade do modelo e diminui um pouco o seu arrasto, porém diminui o ângulo de ataque crítico da asa, limitando assim a capacidade de manobra vertical do modelo.
Exemplo de avião com o enflechamento positivo
O enflechamento negativo diminui a estabilidade do modelo e também diminui drásticamente o seu arrasto, tem como vantagem aumentar muito o ângulo de ataque crítico de uma asa, aumentando assim a capacidade de manobra do modelo. Porém, é extremamente complicado estabilizar um modelo com enflechamento negativo. Normalmente se utiliza giroscópios e sistemas de empuxo vetorado para que se consiga estabilizar um modelo assim.
Exemplo de avião com enflechamento negativo
O enflechamento variável une o melhor de dois mundos, criando um modelo que seja mais estável em baixa velocidade (utilizando pouco ou nenhum enflechamento) e que também seja mais estável em alta velocidade, com pouco arrasto aerodinâmico (utilizando uma alta taxa de enflechamento). Foi muito utilizado em aviões dos anos 60, mas hoje em dia caiu em desuso, graças à melhoria dos projetos de asa, assim como a utilização de computadores para calcular asas com múltiplos perfis.
Exemplo de avião com asa de enflechamento variável
Washout - O objetivo do washout é garantir a estabilidade do modelo no pré-estol ou estol mesmo, fazendo com que isso ocorra de maneira previsível, sem surpresas. Um modelo sem washout tem o famoso péssimo hábito de entrar em estol repentino de ponta de asa, sem prévio aviso (vide Tucanos, Extras, Sukhois e etc), o que, numa condição de pouso, pode significar uma lenha. Isso acontece quando a ponta da asa entra em stall antes da raiz e o modelo cai para o lado desta asa, principalmente em modelos com asa trapezoidal. Para se evitar isso, a asa deve ser construída de tal maneira a garantir que o estol sempre ocorra na raiz antes do que nas pontas. Isso pode ser conseguido alterando-se o ângulo de ataque entre as duas seções, mudando com isso a condição de entrada em estol. Dessa forma, a maneira que se utiliza é construir uma asa “torcida”, ou seja, o ângulo de ataque nas pontas é ligeiramente menor do que na raiz, conforme a figura abaixo:
Exemplo de asa com washout
Essa diferença é na ordem de 0,5º à 2° (está exagerado na figura para facilitar a visualização), dependendo do tipo do avião. Com isso pode-se garantir que a ponta da asa irá entrar em estol por último, pois seu ângulo de ataque é menor, ocasionando assim um estol nivelado do modelo. Não se pode usar ângulos muito exagerados para o washout porque isso irá causar tendências do modelo sair da trajetória no topo de loopings ou no vôo invertido. Os aviões reais também se utilizam dessa característica. O Spitfire, por exemplo, possui um washout de 2,5°, sendo que na raiz da asa o ângulo de ataque é de +2° e nas pontas é de -0,5°.
Há outras maneiras de se fazer a asa com washout mas sem fazê-la torcida. Um exemplo é o chamado “washout aerodinâmico” e consiste em usar um perfil para a raiz da asa e outro para as pontas, sendo que o das pontas deve ser mais sustentador do que o da raiz. Dessa forma consegue-se o mesmo efeito, ou seja, numa condição de estol, as pontas irão cair por último, garantindo a estabilidade do modelo. Outra maneira é no posicionamento ou no perfil somente do aileron, também mudando o ângulo de ataque na região onde se encontra essa superfície. Essa técnica era usada em aviões da época da primeira guerra mundial.
Ainda outro exemplo é o que pode ser encontrado no treinador Nexstar da Hobbico, que aumenta a corda do perfil nas pontas das asas, fazendo com que aumente também a capacidade sustentadora dessa região. Esse efeito é conseguido através de uma peça plástica colada no bordo de ataque da asa, na região das pontas. Essa peça pode ser retirada mais tarde para melhorar as características acrobáticas do modelo, em detrimento da característica estabilizadora.
Certamente devem existir outras maneiras ainda de se fazer uma asa com washout. As citadas acima são as que lembro no momento. A finalidade é entender o que é o washout e qual sua importância para o vôo do aeromodelo. Essa característica é muito útil em modelos escala, pois torna seu pouso bem mais estável. Geralmente não é usado em modelos acrobáticos justamente para não comprometer a capacidade de manobra do mesmo, mas paga-se o preço com a tendência de estol de ponta de asa, principalmente em asas como a do Extra 300, onde a corda é bem maior na raiz do que nas pontas.
Diedro - Diedro é a curvatura da asa para cima. Quase todos aviões reais que não sejam acrobáticos tem esta curvatura na asa. Ela a serve para manter o avião ou objeto voador estável.
O diedro funciona por que durante uma curva, a asa que estiver embaixo sempre terá mais sustentação do que a asa que estiver no alto, como as forças tem uma tendência natural a entrarem em equilíbrio, o modelo tende a ficar sempre com as asas "equilibradas".
Na verdade, com diedros entre 4º e 5º de diedro, o aeromodelo posto em curva tende a voltar sozinho para a posição de vôo linear. A desvantagem do diedro fica por conta da gradual perda de capacidade acrobática do modelo, justamente devido às características de auto-estabilização do avião. Para citar um exemplo simples, quando se coloca um modelo com muito diedro em vôo invertido (de dorso), o avião tende a querer desvirar sozinho, para voltar à posição de vôo normal, fazendo assim com que o piloto tenha muito trabalho para manter o modelo nesta posição.
Exemplo de avião com diedro.
Anedro - O anedro é o oposto do diedro, porém, nas condições certas também faz com que o modelo se estabilize, principalmente quando a carga alar (peso sustentado pela asa) é muito grande. O anedro é muito utilizado quando as condições de carga do avião são grandes demais para permitir que ele faça curvas. Um exemplo famoso é o Antonov AN-224, sem anedro, o mesmo não faria curva alguma.
Exemplo de avião com anedro
Conforme vimos acima, para estabilizar a rolagem de um avião, existem várias técnicas. Porém, como se faz para estabilizar longitudinalmente um avião? Normalmente se utilizam derivas viradas pra cima ou pra baixo, que normalmente são chamadas de "conjunto estabilizador vertical" (o leme vai preso no tal estabilizador).
Até aí, todo mundo já sabe... O "X" da questão aqui levada em conta é:
Tem como fazer um avião se estabilizar SEM a deriva vertical?
A resposta é SIM... Na verdade, já foram produzidos vários aviões sem esta deriva! Notoriamente, vários deles são justamente asas voadoras.
Exemplo de asa voadora SEM derivas.
Apenas para atiçar a curiosidade de vocês, vou deixar aqui apenas UMA forma de estabilizar o vôo de uma asa assim, se houverem comentários positivos, conto o resto através dos comentários mesmo... Na verdade, sei de mais umas 4 formas de estabilizar a asa...
A idéia mais simples é colocar freios aerodinâmicos na ponta das asas, em formato de triângulo, de forma a criar um grande arrasto apenas na ponta da asa. Já fiz uma assim e voava bem...
For today, that's all, folks!
(Por hoje, isso é tudo, pessoal!)
Até a semana que vem... O assunto da semana que vem (se não houver nenhum assunto duvidoso "voando" pela pista no fim de semana) será TURBINAS A JATO.